Por Matheus Mans
Alicia (Heslaine Vieira) e Samuca (Matheus Costa) estão vivendo o que há de melhor na adolescência: a paixão. Eles, que se conheceram nas salas de aula e estreitaram laços durante uma ocupação da escola, se amam como se não houvesse amanhã, como se não tivessem mais provas, como se o vestibular fosse um fantasma distante. Até que ela engravida e tudo muda. Essa é a história de Derrapada.
Dirigido por Pedro Amorim (Mato Sem Cachorro), o longa é um “coming of age”, um filme de amadurecimento, que fala sobre esses dois jovens passando por essa prova de fogo em que a vida é colocada em marcha de espera. De maneira contraditória, tudo acontece rápido demais, mas, ao mesmo tempo, parece que tudo fica em suspenso. Ela passa a se preocupar com a faculdade, ele deixa o skate, sua outra paixão, de lado. “Tratamos desse assunto de forma direta e verdadeira, sem ser de forma fantasiosa”, afirma Pedro ao Estadão.
ADAPTAÇÕES
A trama é adaptada do livro Slam (lançado no Brasil pela editora Rocco, em 2008), do escritor inglês Nick Hornby, mas ganhou um tratamento especial e bastante brasileiro. O subúrbio britânico vira Madureira, no Rio de Janeiro. O contexto dos personagens se transforma. E Alicia passa pela maior mudança. “No livro, a Alicia só queria ser modelo. Era uma loirinha de olhos azuis, patricinha”, explica o diretor. “A gente também quis colocar um pano de fundo forte, no caso a ocupação das escolas em 2016, para fortalecer a personagem da Alicia com ideais fortes.”
O resultado é um filme bastante politizado, com muitos comentários sobre sociedade e a forma como encaramos os relacionamentos. Mas, também, é um filme que fala tudo isso de forma despojada, do jeito que as pessoas dessa idade entendem. Se vale de animações, da linguagem do skate e, curiosamente, brinca até com a música clássica – As Quatro Estações, de Vivaldi, embala um dos momentos mais emblemáticos do longa-metragem.
“Uma das inspirações é Boyhood”, diz Pedro Amorim, citando o filme de Richard Linklater. “Mostramos as agruras do jovem de subúrbio. É importante ter essa janela para que a gente consiga falar sobre isso sem juízo de valor. Deslizes acontecem na vida de qualquer um.”
IDENTIFICAÇÃO DO PÚBLICO
O principal ponto positivo de Derrapada é a força das situações. Dá para enxergar Alicia e Samuca em amigos, parentes, conhecidos O próprio Pedro Amorim colocou muito de sua experiência na história. Afinal, ele, que era skatista como Samuca, engravidou sua então namorada aos 16 anos, mas fizeram um aborto. “Esse filme me interessou por me fazer pensar o que teria acontecido com a minha vida se tivesse tido esse filho.”
Outra pessoa que é prova viva de como essas narrativas estão fincadas na história do País é Nanda Costa. Ela interpreta Melina, a jovem mãe de Samuca, que engravidou ainda adolescente. Esse se tornou o maior medo em relação ao filho. Na vida real, Nanda vê sua personagem como sendo sua mãe. Afinal, ela engravidou de Nanda na adolescência, aos 16 anos. A atriz, que hoje é mãe de duas meninas, viveu com esse medo.
“A Melina foi tudo que eu tive medo de ser quando era jovem. Tinha medo de engravidar, de repetir o erro da minha mãe. Eu morria de medo de ser mãe adolescente”, conta a atriz ao Estadão. “Depois, me tornei mãe aos 35 anos, que foi a idade que minha avó se tornou avó. A vida imita a arte, a arte imita a vida. Por isso é importante falar sobre isso.”
NICK HORNBY
O escritor inglês Nick Hornby surpreendeu seus fãs quando lançou Slam, em 2008. Tratava-se de seu oitavo livro e o primeiro mais focado em um público infantojuvenil. E, apesar de ter o skate como fio condutor (o título se refere à gíria usada pelos praticantes do esporte para definir o popular estabaco), o romance acompanha um adolescente envolvido em um caso de paternidade inesperada.
Logo se percebeu, porém, que Hornby não traiu seus leitores com um dramalhão como sugeriam as primeiras sinopses de Slam, que foi publicado no Brasil pela editora Rocco. Graças à sua prosa sagaz e bem-humorada, a mesma que conquistou antes os fãs em outros romances como Alta Fidelidade, o drama do garoto Sam, que engravida a namorada Alicia praticamente na primeira transa, ganha contornos oníricos, ainda que a realidade não seja esquecida – e pesa muito na rotina do rapaz.
Sam sonha estudar desenho industrial na universidade, embora suas leituras se resumam à autobiografia de Tony Hawk, o grande ídolo dos esportes radicais. A devoção é tamanha que Sam recita passagens inteiras do livro, além de até conversar com um pôster de Hawk.
HUMOR
Hornby conduz a narrativa com habilidade, evitando usar apenas uma linguagem próxima dos jovens – não há, por exemplo, muitas analogias com o skate – para chegar a uma seriedade nem sempre comum na literatura que mira o público adolescente. E faz isso sem deixar de lado o bom humor. “A meu ver, o século 20 foi marcado por uma cultura literária de que livros precisam conter seriedade de propósito e de linguagem, ao passo que a comédia foi relegada a uma espécie de plano secundário”, disse ele, em 2007, à revista americana Atlantic.
Isso se reflete em Slam – Hawk não é somente o melhor skatista do mundo, ele também domina a arte da fala. Quando as coisas parecem correr bem, a qualquer momento, como numa manobra de skate, um erro pode mudar tudo em apenas cinco segundos. Hawk tem algumas coisas a dizer e mostrar. Hornby usa histórias com aparência de leveza para ir fundo no confronto com a verdade.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.