André Luiz da Silva *
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A pergunta de Luighi, jovem jogador do Palmeiras, ecoa como um grito sufocado na garganta de tantos que já foram vítimas da brutalidade do racismo. Diante das câmeras, ele não apenas questionou, mas escancarou a vergonha de um sistema que insiste em se fazer cego, surdo e omisso. O repórter paraguaio que o abordou após a partida ignorou – intencionalmente ou não – os ataques racistas covardemente proferidos pela torcida do Club Cerro Porteño contra ele e seu companheiro Figueiredo. Como se a violência sofrida pudesse ser reduzida a um detalhe, um ruído inconveniente a ser silenciado.
Mas Luighi não silenciou. Indignado, humilhado e ferido, ele cobrou respostas. Cobrou a CONMEBOL, cobrou a CBF, cobrou um mundo que se acostumou a tratar o racismo como um problema periférico, como um incômodo passageiro, quando, na verdade, ele é uma chaga aberta e pulsante em nossa sociedade. Suas lágrimas, refletem a pergunta que nenhum ser humano deveria precisar fazer: até quando? Até quando ele, um garoto que deveria estar apenas jogando futebol e sonhando com um futuro, terá que carregar nos ombros o peso da ignorância alheia? Até quando crimes explícitos serão tratados como incidentes banais?
E o que faz a CONMEBOL? Solta mais uma nota de repúdio vazia, um amontoado de palavras genéricas e previsíveis que já não impressionam ninguém. Promessas de medidas disciplinares que nunca vêm, consultas a especialistas que nunca resultam em mudanças reais. E enquanto isso, nos estádios da América do Sul, o racismo continua correndo solto, como se estivesse protegido por uma muralha de impunidade. Colocar placas com frases contra o racismo é a única ação concreta que a entidade conseguiu tomar até agora. Se há de fato uma intenção de mudança, que comece pela capacitação da arbitragem e delegado da partida, pela punição real dos infratores e pela construção de um ambiente onde o racismo não seja apenas condenado em notas oficiais, mas erradicado de fato.
O Palmeiras, por sua vez, prometeu ir até as últimas instâncias para buscar justiça. Mas que instâncias são essas? As mesmas que falham repetidamente em garantir punições exemplares? O racismo no futebol não é novidade, e a cada novo episódio, a indignação se repete, as promessas se repetem, as lágrimas se repetem. Mas e a mudança? Onde está?
A cena capturada pela transmissão televisiva é a prova de que o problema está longe de ser resolvido. Entre os agressores, um homem branco, adulto, imitando um macaco enquanto segura uma criança nos braços. E essa imagem nos assombra porque nos revela algo ainda mais cruel: o racismo não é apenas uma herança maldita do passado, ele está sendo perpetuado, ensinado, repassado às novas gerações. Um ciclo infernal que não se rompe com discursos mornos e medidas paliativas.
Se ontem o racismo era aceito como “natural” e se hoje ainda há quem minimize sua gravidade com expressões repulsivas como “mimimi” ou “frescura”, é porque falhamos como sociedade. Falhamos na educação, falhamos na formação humana, falhamos em ensinar o básico: que a dignidade de um ser humano não se mede pela cor da sua pele. Seguimos formando indivíduos incapazes de compreender os impactos destrutivos do racismo, que vão muito além do campo de futebol – destroem mentes, carreiras, famílias e sonhos.
As agressões dirigidas aos jogadores do Palmeiras não são apenas ataques individuais. São agressões contra todos os brasileiros, contra todos que lutam por um mundo mais justo. Não há espaço para neutralidade. O silêncio e a omissão são conivência, e quem se cala diante do racismo é tão culpado quanto aqueles que o praticam.
O futebol, tão celebrado como paixão nacional, carrega em suas raízes uma estrutura racista que persiste e se reinventa. Não será com notas protocolares ou campanhas superficiais que essa realidade será alterada. É preciso punição, é preciso reeducação, é preciso transformar o futebol num espaço onde o talento seja o único critério de julgamento.
O dia em que voltaremos a falar apenas de jogadas, esquemas táticos e gols pode até chegar. Mas, por enquanto, nossa obrigação é outra. Denunciar. Exigir. Confrontar. E perguntar, quantas vezes forem necessárias: é sério isso?
* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista