Tribuna Ribeirão
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Higienismo social (Parte II) – “Limpeza social?”  

Jesus às vezes se disfarça de mendigo pra testar a bondade dos homens” (Ariano Suassuna, Auto da Compadecida)

Elson de Paula *
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Como lemos no texto anterior, a perseguição às Pessoas em Situação de Rua no mundo é tão antiga quanto a pobreza em si. O número de pessoas vivendo na calçada no planeta é muito maior do que podemos imaginar. 

 A População em Situação de Rua nos EUA é muito maior que a brasileira, e antes das últimas Olimpíadas na França, Paris exportou “moradores de rua” para outras cidades francesas, para esconder do mundo seus problemas sociais, e em muitos países esse número é cada vez mais crescente. 

 Ainda não existem no século XXI, Políticas Públicas plenas e eficazes, suficientes para acolher toda essa população, em nenhum lugar do mundo, e seu aumento, diante de um sistema capitalista devorador e ganancioso, continua a todo vapor. 

 No Brasil, essa presença sempre foi grande, e desde os anos anteriores à ditadura de 1964, a perseguição à essa população sempre existiu, com requintes de crueldade e violência, a exemplo da Operação Mata-Mendigos que ocorreu na gestão de Carlos Lacerda, da UDN (União Democrática Nacional), como governador da Guanabara, entre 1960 e 1965. 

 No filme Topografia de Um Desnudo, lançado em 2010, um relato fiel aos fatos denunciados por uma jornalista local na época, o ator Lima Duarte protagoniza o mendigo Russo, que desapareceu junto com centenas de “moradores de rua”, presos e levados aos porões da PM carioca, que depois de torturados e mortos, seus corpos eram lançados em córregos da região. 

 A investigação descobriu que as sessões de tortura dessa operação, comandada pela Secretaria de Desenvolvimento Social do governo Lacerda, usava os mendigos como cobaias, para treinamento de equipes de torturadores que viriam depois torturar os presos políticos do Regime Militar de 1964. 

 A motivação principal para esse cenário de horror seria a visita ao Rio de Janeiro, da Rainha da Inglaterra, Elizabeth II, que estava prevista para ocorrer em 1964, mas só aconteceu em 1968, quando Lacerda já não era mais governador da Guanabara. 

 A crueldade com os habitantes da calçada no Brasil está diretamente ligada à doutrina higienista, que por sua vez é motivada pelo desejo de “limpeza social”, acreditando seus promotores, que assim se constroi evolução e progresso. 

 Entre os promotores dessa perseguição figuram nomes de governantes em São Paulo, entre estes, José Serra, Gilberto Kassab, João Doria, Tarcísio de Freitas e Ricardo Nunes, e ainda, do ex-prefeito de Belo Horizonte, Mário Lacerda, no Rio de Janeiro, de Eduardo Paes e também, na Bahia, do governante Antônio Carlos Magalhães Neto. 

 Estes e outros mais, criaram políticas cruéis de “assistência social” contra a situação de rua, e implantaram arquitetura hostil, como os bancos de praça pública anti-mendigos que os impedia de deitar e dormir, os bolsões de pedra e cactus embaixo de viadutos, os muros que cercam a cracolândia, isolando-a, sem tratar adequadamente da criação de programas de redução de danos e de acolhimento digno e humano, ou do combate eficaz contra o tráfico de drogas. 

Ribeirão Preto não está longe desse caminho, e mais do que se imagina, aqui já aconteceram muitas ações de “higienismo social”, que expulsaram as pessoas em situação de rua de um local para outro, que lotaram ônibus (na calada da noite) às vésperas da Agrishow, para transportar “mendigos” para outros municípios, e em momentos isolados, violentando-os, espancando-os, entre outras violações de direito. 

 Há registros em jornais da cidade, da criação em 1980, do PROEM (Programa de Orientação e Encaminhamento da Migração e Mendicância), implantado no Terminal Rodoviário Antônio Achê, ligado à antiga Secretaria de Bem Estar Social da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, que caracterizava os sujeitos atendidos mais de uma vez como mendigos, e que os recolhia nas ruas do centro, e lhes fornecia passagens para o retorno à sua cidade de origem. 

 Esse serviço público, higienista, ocorreu no município por pelo menos duas décadas, hoje, diante de cobranças diversas, até mesmo o antigo CETREM não existe mais, mas o contrário, que deveria ser a implantação e manutenção cada vez mais plena e eficaz de Políticas Públicas voltadas para as Pessoas em Situação de Rua, também não ocorre. Higienismo social disfarçado? 

 Pensemos nisso!

* Jornalista, representante técnico do Movimento Nacional de Luta na Defesa da População em Situação de Rua (MNLDPSR) cofundador do Fórum de Defesa da População em Situação de Rua de Ribeirão Preto (Fórum POP RUA RP) e vice-presidente do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) 

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