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João Gilberto, simples e genial

Mais do que ser um dos pais da Bossa Nova, já que sabemos que esse estilo musical foi concebido e difundido por vários compositores, começando pela música “Copacabana” de Alberto Ribeiro e Braguinha, composta em 1946 e interpretada por Dick Farney, João Gilberto revolucionou o samba, introduzindo uma batida no violão original e um canto harmonioso e compassado, que serviu de referência para diversos compositores e cantores, como Chico Buarque de Holanda, que várias vezes afirmou imitar João Gilberto no início da carreira.

João procurou sempre o simples e não a simplificação, e como disse Leonardo da Vinci, a simplicidade é o último grau de sofisticação, João conseguiu chegar em um som simples, coeso, fluente e sofisticado.

A gravação da música “Chega de Saudade”, em 10 de junho de 1958, foi o marco da carreira do compositor e de seu projeto musi­cal revolucionário. Sobre esse projeto, o compositor disse: ”Ape­nas procuro cantar sem prejudicar o sentido poético e musical das composições. È assim como tirar os excessos, seguir o curso natural das coisas, dar as notas de um jeito tal que não prejudique o sentido da poesia, frisar as palavras que têm a força poética. Procuro que a voz saia idêntica à nota musical, brandamente, com naturalidade, sem esforço artificial.”
A grande revolução foi fazer o simples com sofisticação e criar uma nova batida de samba, que ganhou o nome de Bossa Nova e passou a ser referência no mundo todo.

Ao longo de sua história, ele foi cercado por um folclore em torno de sua personalidade – marcado por manias e alimentado pela curiosidade que seu isolamento gerava. Se o próprio Tito Madi confirma o golpe de violão com que João Gilberto lhe abriu um corte na cabeça, no dia em que ele, Tito, se atreveu a pedir silêncio ao amigo, outras passagens carecem de comprovação.

Há lendas sobre uma sensibilidade auditiva quase sobre-huma­na, que fazia seus ouvidos captarem sons que ninguém mais ouve; sobre o menino de sete anos que percebeu uma nota errada no órgão da igreja; sobre o cantor que, de tanto cantar “O pato”, levou seu gato a suicidar-se, atirando-se da janela.

Segundo o jornalista Leonardo Lichote, a história revela o que pessoas próximas a João diziam: ele era completamente alheio a regras sociais (ou regras, ponto) do mundo das outras pesso­as. É dos mais conhecidos o episódio em que ele teria chamado a cantora Elba Ramalho para sua casa, pedindo que ela levasse um baralho — o que ela fez, mas ao chegar lá ele lhe pediu que passasse as cartas por debaixo da porta. Ou os pedidos de comida por telefone, sobretudo ao Antiquarius, para onde só falava com o mesmo funcionário e se identificava como “senhor Oliveira”.

Noutro caso da mesma linha, Almir Chediak, que conversava por telefone longa e frequentemente com João (uma das manias do baiano, aliás), foi chamado à sua casa para afinar seu violão. Feliz com a possibilidade de conhecer o ídolo pessoalmente, ele encontrou o violão na portaria. O recado é que ele afinasse e depois subisse para ser recebido. Mas, quando chegou à porta do apartamento, ouviu João pedir do outro lado que ele deixasse o violão no corredor. Deixou e ficou observando afastado, até que viu a porta se abrir apenas o espaço suficiente para que o instru­mento passasse, puxado pela mão do criador da bossa nova.

O compositor explicou: “Todo mundo pensa que a bossa nova é passarinho, mar azul, doce, suave. Mas não é. É um gesto de grande força combativa e foi vivido conscientemente assim pelo seu inventor”. Difícil separar o que é lenda do que é verdade em torno do que se diz de João na intimidade, mas uma história contada por amigos ecoa as palavras de Caetano: na época em que se permitia sair de casa, João adorava dirigir de olhos fechados. Dizia-se “guiado pelas estrelas” ou por um “santo muito forte”.

Salve João Gilberto, compositor, cantor autêntico e revolucio­nário, que buscou sistematicamente a simplicidade, a poesia plena e a sofisticação.

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