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Mais um falastrão tentando distorcer a história

Quando escrevemos artigos ou fazemos discursos, é muito co­mum adotar ideias, frases ou teorias de outras pessoas, é o chamado “discurso alheio”. Nestas situações é fundamental a correta citação da fonte. Em evento como primeiro-ministro da Espanha Pedro Sánchez e empresários, o presidente da Argentina, Alberto Fernán­dez, querendo fundamentar a relação entre os países ele disse: “Os mexicanos vieram dos índios, os brasileiros saíram da selva, mas nós os argentinos, chegamos de barcos. E eram barcos que vieram de lá, da Europa”. Diante da repercussão negativa, tentou justificar atribuindo equivocadamente o texto ao poeta mexicano Octavio Paz, vence­dor do Prêmio Nobel de Literatura. Na verdade ele reproduziu em trecho da canção de seu amigo LittoNebbia, “Llegamos de Los Barcos”(Chegamos de Los Barcos).

A canção melancólica traz uma incorreção histórica. Argentina e Brasil tem a mesma origem indígena. Lá viviam os querandis, quíchuas, charruas e guaranis, aqui estavam os guaranis, ticunas, caingangues, macuxis, terenas, guajajaras, ianomâmis, xavantes, entre outros. Em 1500 nossos indígenas conheceram os portugueses liderados por Pedro Álvares Cabral, enquanto em 1516 por lá desembarcaram os espanhóis que acompanhavam Juan Díaz de Solís. Ao longo da história, além dos colonizadores, os navios trouxeram milhões de africanos escravizados e, posteriormente, estrangeiros das mais diversas pátrias.

Nas redes sociais vários argentinos classificaram a fala de “vergo­nha nacional”, enquanto opositores trataram como “ofensa a povos irmãos”. Apesar do posterior pedido de desculpas, esquecer as origens e construir a imagem de um país fenotipicamente branco e culturalmen­te europeu não é novidade para governantes daquele país. Em 1853 a Constituição Nacional deles inseriu artigo determinando a promoção da imigração europeia. As falas dos ex-presidentes confirmam isso. Em visita aos Estados Unidos em 1996 Carlos Menen afirmou que “na Argentina não há negros, esse problema é do Brasil”. No Fórum Mundial de Davos, em 2018, Mauricio Macri disse “Acredito que a associação entre o Mercosul e a União Europeia seja natural porque na América do Sul todos somos descendentes de europeus”.

Nas partidas de futebol vários torcedores argentinos chamam atletas brasileiros de “macaquitos”. O que poucos sabem é que o apelido surgiu na metade do século 19 durante a Guerra do Paraguai, porque alguns batalhões de soldados brasileiros eram majoritariamente compostos por negros (apesar da escravidão). É bom lembrar que, naquela época, o Império do Brasil, a Argentina e o Uruguai formavam a Tríplice Aliança. Atualmente a Argentina é nosso terceiro maior parceiro comercial, enquanto o Brasil é o principal da Argentina.

O infeliz comentário do mandatário argentino poderia ter efeito reverso e, quem sabe nos incentivar a reduzir o racismo, o precon­ceito e a discriminação promovidos diariamente pelos próprios brasileiros, que insistem nessas práticas repugnantes.

Já a palavra “selva” se refere aos espaços territoriais não macula­dos pelo desenvolvimento. No Brasil foi adotada, ainda, como grito de guerra e cumprimento das unidades do Comando Militar da Amazônia (CMA). A Oração do Guerreiro da Selva termina assim: “E dai-nos também, Senhor a esperança e a certeza do retorno. Mas se defendendo esta brasileira Amazônia tivermos que perecer, ó Deus que façamos com dignidade e mereçamos a vitória! Selva!”. Enquanto nossos soldados juram dar a vida pela Selva Amazônica, somente em 2020, foram desmatados 11.088 quilômetros quadrados de áreada nossa floresta. O Ibama que em 2009 tinha 1.600 fiscais, agora tem menos de 700, com poucos recursos e equipamentos.

As palavras do líder argentino ofendem nossos sentimentos, enquanto a omissão dos governantes brasileiros permite que motosserras, fogo, trato­res esteira, correntões, rolos-faca, destocadores, ancinhos e enleiradores diariamente destruam nossa natureza. Práticas racistas e a destruição da natureza são crimes inaceitáveis que precisam ser combatidos.

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