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Nossa democracia participativa

O clima de polarização que se instalou no país, cuja origem está na construção da equação “nós e eles”, de autoria do PT, gera uma bateria de efeitos, nem todos negativos. Se é verdade que a dose de bílis tem escorri­do com maior intensidade pelas veias sociais, é plausível a hipótese de que a conscientização política se expande entre os grupamentos organizados. Fenômeno positivo.

São palpáveis os sinais de que a política passou a fazer parte do menu co­tidiano dos brasileiros. A par das duas grandes correntes que se manifestam intensamente, enaltecendo ou criticando as posições do governo Bolsonaro, subgrupos se multiplicam aqui e ali, falando de política, discorrendo sobre temáticas variadas em encontros e reuniões ou nas redes sociais. O fato é que o discurso político se faz presente na interlocução social, a denotar o interes­se dos cidadãos na construção do pensamento nacional.

Essa massa expressiva tem escoado para espaços formados pelos movi­mentos sociais, alguns fortes, outros em estágio de crescimento, e todos eles ligados a setores sociais ou a categorias profissionais. São movimentos em de­fesa de gênero, minorias étnicas e raciais, contra ou a favor de determinadas temáticas (aborto, porte e posse de armas, escola sem partido), ou núcleos que desfraldam a bandeira de categorias organizadas, como servidores públi­cos, (forças armadas, policiais militares), professores, ruralistas etc.

O fato é que a movimentação dessas categorias passa a influir intensa­mente na elaboração e no ajuste de políticas públicas, como temos visto nesse ciclo de debates sobre a reforma da Previdência. Cada setor quer incluir suas demandas no projeto que vai ao segundo turno na Câmara, sem esquecer que Estados e municípios também criam sua frente de demandas.

Nunca se viu no país uma movimentação tão forte como a que se assiste no momento. A Constituição de 1988, claro, envolveu intensamente certos grupos, mas a pressão maior esteve todo tempo na esfera da representação política, com destaque para o centrão, que acabou imprimindo sua marca na Carta. Hoje, a organicidade social ganha fôlego, descendo aos andares mais baixos da pirâmide social e, de certa forma, constituindo novos polos de poder.

Essa é a boa novidade. O processo democrático passa a ganhar a voz das ruas, sendo balizado de forma centrípeta, ou seja, das margens para o centro. Significa que estamos andando, mesmo devagar, na rota de uma democracia participativa. A miríade de entidades criadas nos últimos anos começa a dar o tom na orquestração das demandas sociais.

Sob esse prisma, é lamentável ver a desconstrução de conselhos e associações que canalizavam a expressão de grupamentos, fazendo o devido encaminhamento aos órgãos do governo. Medida recente baixada pelo pre­sidente Jair Bolsonaro acaba com um conjunto de entidades representativas da sociedade junto ao governo. Essa modelagem contribuía para consolidar nossa democracia participativa.

A propósito, convém lembrar que na Carta Magna temos três instru­mentos voltados para firmar a democracia participativa, também designada de democracia direta: o plebiscito, o referendo e o projeto de lei de iniciativa popular, este que carece de assinatura de 1,5 milhão de eleitores. A larga estrutura dos conselhos formados para colaborar com o governo é, agora, esfacelada. O presidente prefere governar sem o apito social, o que mostra forte viés autoritário.

De qualquer maneira, a movimentação social, imune à decisão do pre­sidente ou de outras autoridades, deverá continuar. Lembremos a gigantesca movimentação de junho de 2013. Por enquanto, os movimentos acompa­nham, atentos, os programas. Ainda estão vivendo o período de lua de mel. Mas poderão, a qualquer momento, encher as ruas. A divisão social em duas grandes bandas – nós e eles – (agora de maneira invertida), sugere que o país tende a ser um grande palanque, de onde emergirão pleitos em muitas fren­tes. Depois da Previdência, teremos a reforma tributária. E na mira, estará a reorganização do Estado.

Os programas de hoje e de amanhã passarão pelo crivo social. É bom saber que uma decisão unilateral, de cima para baixo, não vingará sem o cidadão aprová-la. A democracia participativa avança, mesmo sob objeção de governantes.

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