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O silêncio mortal

Algumas sociedades estigmatizaram determinados as­suntos, principalmente na área da saúde. Em um misto de crendice e ignorância, durante anos difundiram a ideia de que algumas doenças não deveriam ser comentadas. Um exemplo claro é o câncer que era tratado por muitos como “aquela do­ença” e, além do medo, era motivo de vergonha e sensação de culpa. Evoluímos e atualmente são realizadas maciças campa­nhas de esclarecimento sobre prevenção e combate.

O tema suicídio é constrangedor. Abordá-lo pode soar como desrespeito a quem se matou e a sua família. Para amenizar, constantemente usamos expressões como “tirar a própria vida” e equivocadamente buscamos culpados ou soluções fáceis para algo tão complexo. A campanha Setem­bro Amarelo busca jogar luz na discussão, mas não pode ser exclusividade de um mês.
O fato de um grande centro de compras ser cenário de diversos casos, dois na mesma semana, foi amplamente explorado. Mesmo necessária, a opção por cobrar medidas de segurança no local não pode ser o centro do debate. O problema é muito maior e temos uma objetiva sinalização de que nosso povo está precisando de ajuda e o grito de socorro silencioso e impactante do suicida não pode ser banalizado.

Nossa população, especialmente a mais jovem, enfrenta um elevado grau de exigência, julgamento e cobrança, fomentado de modo avassalador pelas mídias sociais. A necessidade de ampliar o número de seguidores, agradar, ser belo e vencedor, consome não só o tempo, mas especialmente a alma. Curtir, compartilhar e agora “lacrar” parece mais necessário do que comer, passear e vi­ver. A modernidade nos conectou com o mundo, mas nos afastou do próximo e a sensação de solidão é cada vez maior.

Não existem soluções mágicas ou simplistas, mas algumas reflexões e movimentos parecem importantes. O primeiro é quanto às relações familiares e a forma que preparamos nos­sas crianças e adolescentes para os desafios que enfrentarão durante a toda vida. O segundo é o envolvimento dos setores da sociedade civil como empresas, escolas e serviços de saúde como apoiadores e não fomentadores de mais exclusão. O terceiro é a participação dos governantes na implementação de políticas públicas eficazes de prevenção e acolhimento.

O Brasil conta com a recente Lei nº 13.819/2019 que ins­titui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio que objetiva a promoção da saúde mental e a preven­ção à violência autoprovocada. Uma das metas é a garantia de acesso à atenção psicossocial das pessoas em sofrimento psí­quico agudo ou crônico, especialmente daquelas com históri­co de ideação suicida, automutilações e tentativa de suicídio. Então surgem algumas questões. As redes SUS e privada estão preparadas? Temos serviços, vagas e profissionais suficientes?
A legislação determina que os estabelecimentos de ensino e saúde públicos e privados deverão informar e treinar seus profissionais quanto aos procedimentos de notificação de tendências suicidas, mais do que isso é fundamental a articu­lação intersetorial, envolvendo ainda a imprensa, polícia, e até as instituições confessionais.

Cada indivíduo tem papel preponderante, dedicando parte de seu tempo à prática da autoavaliação emocional e ao olhar atento do familiar, colega de escola ou trabalho que emite sinais, muitas vezes sofre em silêncio ou pede socorro através de expressões do tipo: “logo vocês vão se livrar de mim” ou “eu vou sumir”. Finalmente resistindo à tentação de comparti­lhar imagens ou vídeos de casos ocorridos que são comprova­damente gatilhos para quem está pensando em suicídio.

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