Rodrigo Gasparini Franco *
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A história da guerra e da paz é tão antiga quanto as civilizações e continua sendo um elemento central no mundo contemporâneo. O antigo provérbio romano “Si vis pacem, para bellum” — que significa “se queres a paz, prepara-te para a guerra” — já estabelecia, na Roma Antiga, o paradigma de que a preparação militar era indispensável para garantir a estabilidade de uma sociedade. Durante a expansão do Império Romano, a guerra não servia apenas para conquistar territórios, mas também para manter a ordem interna e assegurar o equilíbrio de poder entre os estados vizinhos. Enquanto o império consolidava seu domínio por meio da força, a Pax Romana demonstrava os benefícios de uma paz sustentada pela segurança e estabilidade proporcionadas pelo poder militar.
No cenário atual, as nações buscam equilibrar o uso do hard power — força militar e estratégias convencionais de poder — com o soft power, que se manifesta na influência cultural, diplomática e econômica. Assim como os romanos compreenderam a importância de dissuadir adversários por meio da preparação e da demonstração de força, os conceitos modernos de deterrence (dissuasão) e equilíbrio de poder dialogam diretamente com a estratégia de “para bellum”. Em ambos os casos, o poder militar não é empregado de forma irresponsável, mas como um instrumento de equilíbrio político que visa evitar a escalada de conflitos.
Nesse contexto, o realismo político, expresso por termos como realpolitik e machtpolitik, também encontra raízes históricas nessa dualidade entre agir e preservar a paz. Diferentemente dos romanos, que recorriam à guerra para consolidar seu poder e expandir fronteiras, a política contemporânea adota uma abordagem mais pragmática, voltada para a busca da estabilidade por meio de cálculos estratégicos, mesmo quando os interesses nacionais entram em conflito com princípios éticos. Nesse cenário, a teoria dos jogos tem se destacado como uma ferramenta valiosa para analisar as relações internacionais, ao revelar como cooperação e conflito podem coexistir em dinâmicas que, de forma moderna, remetem às lições extraídas do domínio romano.
No centro dessas discussões, os conceitos de Jus ad Bellum (direito à guerra) e Jus in Bello (direito na guerra) permanecem extraordinariamente relevantes. Eles estabelecem, respectivamente, os critérios que legitimam o início de um conflito e as regras que devem reger a conduta dos combatentes durante a guerra. Esses princípios modernos, que buscam limitar a violência e reduzir os custos humanitários dos confrontos, refletem a responsabilidade histórica de evitar a escalada descontrolada dos conflitos — um tema igualmente presente nas disputas contemporâneas. Ao combinar esses fundamentos jurídicos com a necessidade de equilibrar o uso da força e a busca pela paz, a comunidade internacional procura estabelecer normas que tornem os conflitos menos frequentes e menos destrutivos.
Por outro lado, a visão de Clausewitz, que definiu a guerra como uma extensão da política, permanece uma referência fundamental. Seu pensamento, conhecido como Clausewitzianismo, destaca que a violência, mesmo quando legitimada pelo Jus ad Bellum, deve ser encarada como um meio transitório, jamais como um fim em si mesma. Essa reflexão expõe o paradoxo entre a necessidade de recorrer à guerra para garantir a paz e o risco de perpetuar um ciclo de violência. Diante disso, os países modernos enfrentam o desafio de equilibrar a demonstração de força com a adoção de estratégias diplomáticas, ajustando-se às circunstâncias.
Hoje, o significado da guerra assume dimensões multifacetadas, entrelaçando tradições históricas e inovações contemporâneas. Apesar da evolução dos conceitos e das tecnologias, a ideia de preparar a paz por meio da preparação para o conflito continua sendo um princípio que orienta tanto as grandes potências quanto os debates internacionais. As lições do passado romano, em que a guerra era vista como um instrumento essencial para moldar a sociedade, nos lembram que a estabilidade não é fruto do acaso, mas do equilíbrio entre a arte da conquista e a prática da diplomacia. Assim, mesmo em um mundo que busca cada vez mais a resolução pacífica dos conflitos, a máxima “Si vis pacem, para bellum” permanece atual, simbolizando a eterna tensão entre a aspiração à paz e a necessidade de estar preparado para os desafios que ela impõe.
* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)