Edwaldo Arantes *
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Mencionei em recente artigo duas datas fundamentais em minha existência, 21 de abril, aniversário da minha “filhota” querida, Marina Roxo.
A outra, 7 de maio, deixemos na incógnita e nos segredos guardados à sete chaves.
Contestei nos meus parcos conhecimentos da rainha mestra “História” a Inconfidência Mineira, por ser feita por uma elite opulenta das Minas Gerais.
Relendo “Vila Rica do Pilar”, de Fritz Teixeira de Salles, revi uma série de acontecimentos sobre o ouro e o assalto a ele pelo governo português.
Um dito popular repica eternamente, “hoje, lavei a burra”.
Os escravos escondiam o ouro no pêlo comprido das burras, ao lavar os animais o vil metal se soltava até juntar o suficiente para comprar a tão sonhada liberdade.
Anos depois a ânsia mudou de tempo e lugar, o sonho que o dourado surgisse ao fundo da bateia levasse ao sucesso e a glória, mulheres, bebidas, baralhos, cordões de ouro e opulência.
Infelizmente, as ações nefastas que infestavam o genocida garimpo de Serra Pelada apenas produziram penúrias, calamidades, tragédias, desgraças, lutos e infelicidades.
A razão de estar ali coberto de lama até os ossos, agachado, miserável e só, a explorar o sonho quase sempre transformado em pesadelo.
Nada mais importa apenas o olhar fixo como quem permanece horas e horas em uma imensa fila que nunca chega ao fim em uma lotérica qualquer, garimpando números ilusórios, desesperado, rezando para ser milionário.
O pedreiro molda a argamassa, areia, pedra, cimento, tijolo, alicerce, alvenaria, até surgir a morada luxuosa que jamais será habitada por ele e sua prole miserável.
O jardineiro e sua solidão, apenas a companhia das tesouras, ancinhos, plantas, enxertos, canteiros, abelhas e orvalhos.
A praça vazia onde badalam sinos anunciando o “Ângelus”, avisando da sua triste sina ao entardecer.
Paulo Freire decifrou o deplorável mundo dos analfabetos cobertos pelas vendas da ignorância, capuzes da escuridão, privados do conhecimento, presas fáceis da ganância dos poderosos que o querem tão somente como explorado ou voto na urna.
Que importância pode ter o que está completamente distante e desconhecido na sua existência.
Palavras devem representar o que existe ao redor da vida e a relação com seu mundo.
O gênio do educador conseguiu adequar o vocábulo ao objeto desnudando o seu universo, o aprendizado, a luta para conseguir a liberdade de existir, sem precisar garimpar o ouro.
O professor levou a luz da leitura a trezentos adultos analfabetos em apenas quarenta e cinco dias em “Angicos”, sertão do Rio Grande do Norte, 1963.
O resumo de todos que lutam, ao crepúsculo recolher as ferramentas, o dia findando árduo sobre o sol abrasador, a chuva fria ou o vento impertinente fazendo rolar o chapéu.
O ônibus atrasado, ineficiente, lotado e dispendioso, o lar distante, palco de uma periferia abandonada.
Adentrar o boteco familiar tomar uma dose não do Chivas Regal ou Buchanan’s sorvidos pela fina flor da elite opressora rica e privilegiada em seus bunkers, apenas a cachaça quase de graça para traçar em um só gole.
Alguns gomos de linguiça, poucos pães, um naco de carne seca, rumar para a casa minúscula de parcas paredes caiadas que protegem a prole e a esposa, assim é feita a verdade dos dias de quem luta, não do capitalista selvagem que o explora.
A vida do homem comum, pobre, absorto, tentando atravessar a rua sem entender nada do que representa verde, vermelho ou amarelo.
O caminhar apressado para nenhum lugar, boletos, dívidas, alugueres, carnês atrasados das Casas Bahia, assustando se vai poder comprar um presente ou ouvir um sonoro não do vendedor, para o Dia das Mães.
Imagino que a árdua tarefa de escrever tal qual o pedreiro construindo a obra, o pintor tingindo em azul a página, o camponês em uma farta colheita de frases, o jardineiro e o buquê de palavras, o garimpeiro encontrando o texto dourado e o carteiro entregando o livro.
Poetas e escritores são apenas proletários das palavras.
“Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir, pela fumaça” desgraça que a gente tem que tossir, pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair…”, Francisco Buarque de Hollanda – Construção.
* Agente cultural