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O ‘fundador’ de Ribeirão Preto

Nicola Tornatore 

A série Túnel do Tempo recorda nesta edição a história de Luiz Pereira Barreto (1840-1923), um dos personagens mais marcantes dos primórdios de Ribeirão Preto. Nascido na Fazenda Monte Alegre, em Vargem Grande, município de Resende (RJ), no Vale do Rio Paraíba, foi um dos chamados “fundadores” do município que virou metrópole, capital de uma região com mais 33 cidades e população estimada em 1,67 milhão de habitantes.

Formou-se em Medicina na Bélgica, em 1863, e atuou alguns anos como clínico em Resende até casar-se e se radicar em Jacareí (SP), no lado paulista do vale. Foi desta cidade que, em janeiro de 1876, partiu a histórica “Caravana Pereira Barreto”, composta pelos irmãos filhos do casal Fabiano Pereira Barreto e Francisca de Salles Pereira Barreto. Descontentes com a grande queda na produtividade dos cafezais do Vale do Paraíba fluminense, até então o maior centro produtor do Brasil, os Pereira Barreto seguiram para o oeste paulista em busca de terras mais adequadas ao café.

Em 1883, antes dos trilhos da Mogiana alcançarem a região de Ribeirão Preto, viajar pelo interior paulista ou para qualquer lugar do Brasil era literalmente uma aventura de muitos dias a bordo de uma carroça ou no lombo de um cavalo. Saindo de Jacareí, a caravana cortou um pequeno trecho do atual sul de Minas Gerais, subindo a Serra do Selado e descendo até Camanducaia.

Passaram pelo povoado das Antas, chegaram a Ouro Fino e reentraram em território paulista, alcançando Espírito Santo do Pinhal. De lá, usaram o velho “Caminho dos Goiases” para chegar a Casa Branca, já no mês de fevereiro. Mais alguns dias e muitas léguas sertão adentro, a caravana chegava à Fazenda Cravinhos.

Os irmãos Luiz e Rodrigo Pereira Barreto compraram as fazendas Cravinhos (de Antonio Caetano) e Santa Maria (depois São Martinho) da viúva do capitão Gabriel Junqueira, e deram início ao plantio de café da variedade Bourbon. No jornal “A Província de S. Paulo” (atual “Estado de S. Paulo”), Luiz Pereira Barreto publicou uma série de artigos enaltecendo a qualidade das terras da região de Ribeirão Preto.

Em poucos anos, os cafezais da região, que se mostrou especialmente propícia à variedade Bourbon, estavam produzindo várias vezes mais que os velhos és de cafés do Vale do Paraíba fluminense. O sucesso dos irmãos Pereira Barreto se espalhou, e em pouco tempo dezenas de outros fazendeiros seguiram o mesmo caminho, adquirindo terras na região e dando início ao período áureo do “Eldorado Paulista”.

Pioneiro também do guaraná  Não foi só na cafeicultura que Luiz Pereira Barreto se destacou. Publicou trabalhos nas áreas da medicina, agronomia e filosofia. Doutor em ciências naturais, foi o pioneiro em estudos do fruto do guaraná. Após sua morte, em 1923, recebeu diversas homenagens – existem bustos e hermas dele em praças públicas de Ribeirão Preto e de Resende (RJ), sua cidade natal. Ruas em várias cidades ganharam seu nome, assim como um município, Pereira Barreto (SP), a 620 quilômetros de São Paulo.

Ribeirão Preto, que se transformou na capital mundial do café no início do século passado graças a Luiz Pereira Barreto, foi comedido nas homenagens a seu grande benemérito. Inaugurou uma herma na praça XV de Novembro e nomeou uma rua com seu nome – como não cabia o nome inteiro (Luiz Pereira Barreto) nas placas indicativas, passou a ser conhecida apenas como “Luiz Barreto” (Campos Elíseos).

HistoriadorPereira  Barreto fundou RP 
José Eduardo de Oliveira Bruno, membro da Associação Brasileira de Pesquisadores de História e Genealogia (Asbrap), titular da cadeira nº 21 (“Dr. Luiz Pereira Barretto”) da Academia Itatiaiense de História e sócio efetivo da Academia Resendense de História (Resende-RJ ), é um dos maiores especialistas na mítica “Caravana Pereira Barreto”, aquela que introduziu na região a variedade de café Bourbon, ponto de partida (em 1876) para a transformação da pequena povoação no maior centro produtor de café do mundo, em menos de três décadas. 
 
Para Bruno, Luiz Pereira Barreto deveria ser reverenciado nos livros de história como o verdadeiro “fundador” de Ribeirão Preto. Sua argumentação é de que a vinda dele  para a região foi um divisor de águas – sua série de artigos pulicados no jornal “A Província de S. Paulo” deu início a um gigantesco fluxo migratório, esvaziando várias cidades do Vale do Paraíba (fluminense e paulista) e fazendo da Ribeirão Preto da virada do século (1900) uma cidade com mais moradores nascidos no estado do Rio de Janeiro do que paulistas. 
 
Pelo mesmo raciocínio, J.E.O. Bruno comenta que os artigos de Pereira Barreto, enaltecendo as “terras encaroçadas” de Ribeirão Preto, são tão decisivos para a trajetória do “Eldorado Paulista” que deveriam ser considerados a “certidão de nascimento” da Ribeirão Preto que se tornou a sede da uma região metropolitana. 

O resendense e irmão Rodrigo Pereira Barreto 
Além de Luiz, seu irmão mais novo, Rodrigo Pereira Barreto (1835-1910), foi mais um resendense a fazer história em Ribeirão Preto. Nascido na Fazenda Monte Alegre, em Resende (RJ), formou-se em Direito no Largo de São Francisco. Exerceu a advocacia e militou na política, chegando a ser presidente da Câmara Municipal de Resende. 
 
Com a mulher e os filhos, seguiu os irmãos e se mudou para Ribeirão Preto no final de 1876. No início daquele ano, quando participou da “Caravana Pereira Barreto”, havia comprado a Fazenda Santa Maria, rebatizada de El Dorado. Com as mudas da variedade Bourbon, fornecidas pelo irmão Luiz, em pouco tempo as lavouras de café de Rodrigo fizeram dele um dos mais respeitados cafeicultores da região. 
 
Eleito suplente nas eleições de 1887, assumiu como vereador alguns meses depois, quando entrou para a história ao propor, em 3 de agosto, a criação de um “Livro da Redempção, assinado pelos fazendeiros dispostos a libertar seus escravos. Naquele ano, Ribeirão Preto tinha 1.379 escravos – 784 homens e 595 mulheres. 
 
Quase um ano antes da Abolição da Escravatura (13 de maio de 1888, há 130 anos), a Câmara Municipal aprovou, por unanimidade, a libertação dos escravos, por iniciativa de Rodrigo Pereira Barreto. A ousadia do fazendeiro abolicionis
ta, porém, não fic
ou sem resposta. Cafeicultores escravagistas reagiram e consta que Rodrigo recebeu uma caixa contendo um relho (chicote de couro torcido), com um bilhete ameaçador –  seria usado nele, caso não retrocedesse em sua disposição de libertar os escravos. 
 
A ameaça surtiu efeito – com receio de uma tragédia na família, Rodrigo partiu para São Paulo, onde comprou terras numa região ainda desabitada (ele é considerado o fundador do bairro de Itaquera). O amigo Martinho Prado, conhecido por Martinico (também nome de rua na Vila Tibério), comprou sua casa, na rua Luiz da Cunha, onde havia se hospedado o imperador Dom Pedro II, e a Fazenda El Dorado, rebatizada pelos Prado de Fazenda São Martinho. 

Luiz Barreto cientista,  filósofo e biologista 
Luiz Pereira Barretto (Resende, Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 1840 – São Paulo, 1923) foi um médico brasileiro formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Bruxelas, doutor em ciências naturais, medicina cirúrgica e partos. Cientista, filósofo e biologista. Pioneiro em estudos do fruto do guaraná. Foi presidente da Assembleia Constituinte de São Paulo e deputado à Assembleia Constituinte Republicana. Colaborou com o jornal A Província de S. Paulo, mais tarde veio a chamar-se O Estado de S. Paulo.  
 
Publicou as seguintes obras: Teoria das Gastralgias e das Nevroses em Geral, As Três Filosofias, Filosofia Metafísica, Positivismo e Teologia, Soluções Positivas da Política Brasileira, La viticulture à Saint Paul, A Vinha e a Civilização, O Século XX sob o ponto de vista Brasileiro, II Processo Longaretti e ladifesadel Dr. L. P. Barreto e A Arte de Fabricar o Vinho (Manual do Viticultor). A cidade de Pereira Barreto, localizada no oeste do Estado de São Paulo, a cerca de 620 quilômetros de São Paulo (Capital), quando passou a município, em 1938, recebeu esse nome em homenagem a Luiz Pereira Barreto. Antes de tornar-se município, Pereira Barreto, que foi fundada por imigrantes japoneses, em 1928, chamava-se Novo Oriente. 
 

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