Mário Palumbo *
[email protected]
O livro sagrado da Bíblia tem dois autores: Deus que ilumina inspirando e o autor humano com sua cultura e limitações.
A revelação divina flui lentamente até chegar o esplendor da luz que é Jesus Cristo.
O mistério da morte e da vida plena eterna foi vagarosamente anunciada. Os textos bíblicos revelam a sombra das limitações humanas que se recusam a aceitar uma vida eterna e acham que tudo acaba com esta vida.
Outro exemplo: para evitar o politeísmo que imperava nos povos limítrofes a Israel, a Bíblia proíbe a fabricação de imagens, nas quais os povos primitivos acreditavam na existência dos Deuses dentro da imagem e que a divindade era a própria imagem.
Na própria Bíblia tem versículos onde Deus pede para Moisés erguer uma serpente de bronze e quem olhasse na serpente, mesmo picado pelo veneno de uma cobra, não morreria. Deus também manda fabricar imagens dos querubins e colocar no templo de Salomão. Será que Deus se contradiz?
Ao ler a Bíblia como se tudo fosse palavra infalível de Deus, podemos cair em um equívoco absolutista, achando que Deus seja um déspota sem coração, destruindo povos inteiros por culpa de uns poucos, ou ainda sem misericórdia com crianças que pagariam com a vida pela infidelidade dos pais (como em punições que adentram gerações).
É preciso ler o livro sagrado no seu contexto temporal e cultural, e não separar versículos e daí decretar tudo como se fosse palavra infalível do Deus que é poderoso, sim, mas também misericordioso. Como no caso do Gênesis, no qual se diz que a mulher é auxiliar do homem, enquanto na mesma Gênesis, se afirma que a mulher e o homem foram criados à imagem e semelhança de Deus. A primeira leitura do Gênesis nos levaria ao domínio do homem sobre a mulher (machismo), enquanto mais adiante, no mesmo Gênesis, nos leva a interpretar que homem e mulher tem o mesmo valor e que não há hierarquia perante Deus.
Essa ideia patriarcal da cultura dos povos bíblicos segue todo o Antigo Testamento. O Novo Testamento joga sua luminosidade na questão: “maridos, amai as vossas mulheres como Cristo nos amou, entregando sua vida”. Não há dominação do homem sobre a mulher, mas amor de serviço entre os dois. Essa ideia patriarcal ainda ecoa em muitos religiosos que insistem na dominação do homem sobre a mulher.
A respeito do casamento, os fariseus interpelaram a Jesus se o homem podia divorciar-se da mulher por qualquer motivo. Havia motivos fúteis: bastava que a mulher deixasse a comida queimar que seria motivo de separação. Jesus respondeu “foi pela dureza dos vossos corações que Moisés permitiu isso, mas no começo, no pensamento de Deus, não é assim”.
Os discípulos de Jesus, desanimados, voltaram a perguntar sobre o casamento, e dessa forma respondeu-lhes Jesus: “Disseram-lhe seus discípulos: Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar. Ele, porém, lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido. Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus. Quem pode entender isto, entenda-o” (Mt 10-12).
No que diz respeito à escravatura, a Bíblia aceita como normal, haja visto as cartas de São Paulo, nas quais o mesmo apóstolo, enquanto aceita a escravatura também diz de tratar o escravo como irmão e filho de Deus e em outro lugar diz que para Deus não existe escravo ou livre, grego ou romano: somos todos filhos de Deus. Até chegar Cristo, a luz que ilumina tudo e se ajoelha aos pés dos apóstolos e lava-lhes os pés: “não vim para ser servido, mas para servir”. Não leva em conta de ser filho unigênito do Pai.
Viver o Evangelho é ser novos Cristos inspirados pelo Divino Espírito Santo e abandonar o egoísmo para centralizar-se em Deus, “porque Nele vivemos, e nos movemos, e existimos”.
* Professor