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Facções criminosas são organizações terroristas?   

Antonio Gonçalves *

A pergunta é decorrente da negativa do Governo Federal brasileiro em classificar as facções criminosas como organizações terroristas como pretendia o Governo dos Estados Unidos da América para, consequentemente, aplicar ações mais severas em atos praticados por essas organizações transnacionais em seu território, medida essa já feita com outras organizações criminosas latino-americanas.

A negativa do governo brasileiro ensejou uma reação da opinião pública de que o Brasil não tem interesse em reprimir as atividades ilícitas do crime organizado com medidas mais duras. O que pode, inclusive, significar uma eventual condescendência. Na verdade, uma coisa em nada tem a ver com a outra.

No Brasil temos um conjunto de regras e normas tido como ordenamento jurídico cujo elemento norteador principal é a Constituição Federal de 1988. A partir dela, as leis são criadas para serem obedecidas pela sociedade e, também, pelo Poder Executivo. Nesse diapasão, sobre o tema, temos a Lei n° 13.260/16, a denominada Lei Antiterrorismo criada por conta das Olimpíadas, evento ao qual o Brasil foi o país sede naquele ano.

Nessa lei se define: “o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. Pelo que se vê não se coaduna com as atividades praticadas pelas facções criminosas.

Ademais, há uma definição clara do que é uma organização terrorista segundo essa lei: Quando essa “Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito; Recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; Fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência, ou nacionalidade; Receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos nesta Lei”.

Logo, não se trata de falta de interesse, mas sim, de impedimento formal em classificar uma facção criminosa como terrorista se a mesma não pratica os atos delineados na lei que assim a descreve. O que em nada significa que o país não pode ou deve firmar acordos com os Estados Unidos da América para um enfrentamento mais duro das organizações criminosas.

O Brasil, assim como o país norte americano, é signatário da Convenção de Budapeste. E, apesar de tratar sobre crimes cibernéticos, em seu bojo, há toda uma parte dedicada à cooperação internacional a fim de reprimir as atividades ilícitas transnacionais.

Hoje é sabido que um crime como, por exemplo, o tráfico de drogas afeta mais de um país, o dinheiro das drogas circula internacionalmente, portanto, é plenamente possível um termo de cooperação entre os países a fim de juntos enfrentarem os danos causados pelas principais facções brasileiras.

Uma eventual classificação das facções como organizações terroristas até pode vir a ser possível se o país revogar a lei existente sobre o tema ou a modificar. Todavia, claro está que temos outros caminhos mais eficazes para enfrentar as consequências das atividades criminosas das mais de 77 facções criminosas existentes e operantes no Brasil.

O alvo preferencial das organizações criminosas é o lucro, por conseguinte, quando há troca de tecnologia, expertise e cooperação conjunta se propicia uma linha investigativa do caminho do dinheiro fruto do crime e, assim, apreensões podem ser feitas e se atingir a operação transnacional.

A Convenção de Budapeste é uma importante arma que o Brasil deve usar a fim de reprimir o crime organizado cujos efeitos serão mais efetivos do que aderir às pretensões norte-americanas de classificar uma facção como organização terrorista. Ademais, nada obsta que seja criada uma lei, comum a ambos, com um endurecimento penal específico sobre as atividades e consequências para os membros das facções criminosas.

O que não pode é desrespeitar o conjunto de normas e leis existentes no país para firmar uma parceria internacional que sequer tem uma avaliação do impacto do ato no território nacional. Enfrentar as facções não a qualquer preço, modo e forma, mas sim com cooperação, inteligência e investigação.

* Advogado criminalista 

 

  

 

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