“Oh, mal contundente, a condição de pobreza!”
(Geoffrey Chaucer – 1343-1400)
Elson de Paula *
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APOROFOBIA é um conceito surgido nos anos de 1990, que significa aversão, medo, rejeição ou desprezo por pessoas pobres, e que vem ganhando destaque no debate público.
HIGIENISMO é uma doutrina que surgiu na segunda metade do século XIX, com a preocupação de governantes que passaram a dar maior atenção à saúde pública e à moral dos habitantes das cidades, considerando que as doenças eram um fenômeno social que abarcava todos os aspectos da vida humana, e daí surgem as primeiras soluções em saneamento básico e urbanização em todo o mundo.
O higienismo em si, promoveu soluções modernas na mudança de hábitos, de higiene pessoal, de controle de endemias e pandemias, e tinha uma forte ligação com a medicina social, que visava a prevenção de doenças e a promoção da saúde por meio da educação, e essa proposta trouxe avanços significativos no início do século XX, com a descoberta das vacinas, do método de pasteurização de alimentos, entre outros benefícios para o mundo.
Ao mesmo tempo, o higienismo em formato social, intensificou nas cidades a exclusão, o preconceito, o racismo, e a ausência de participação da população mais simples e pobre, na tomada de decisões sobre a reforma urbana e a mudança de hábitos que também lhe afetava, prevalecendo neste processo, somente a vontade dos grandes grupos econômicos e religiosos, da alta sociedade, dos políticos e governantes da época.
Através do higienismo social, os governos passam a determinar ações de “limpeza” em muitos cantos do mundo, até em forma de leis e decretos abusivos, relacionando a pobreza à maior causa das doenças que infestavam o planeta. Limpar sempre era a ordem maior.
A perseguição às Pessoas em Situação de Rua no mundo é tão antiga quanto a pobreza em si. Em países europeus do século XIV, quem dormia na rua e pedia esmola era acusado de “vagabundo” e condenado à escravidão, prisão e até à pena de morte.
O célebre escritor do livro “1984”, o indiano naturalizado inglês George Orwell, lançou em 1920 uma das primeiras obras jornalísticas da história, o livro “Na pior em Paris e Londres”, onde relata sua experiência vivida em situação de rua nestas duas cidades.
Na Inglaterra daquele tempo, diante das grandes populações de pessoas vivendo em situação de rua, por razão das recessões e crises econômicas que os países europeus sofreram, o pobre era visto como um ser doente, com desprezo, descaso, com preconceito, e não havia nenhuma preocupação em dar-lhes condição de vida melhor.
Em cidades como Paris e Londres, mendigos eram proibidos de esmolar para matar sua fome. Não podiam dormir em espaços públicos, e para ter direito ao descanso tinham que pagar. Existiam nas cidades europeias, locais que disponibilizavam os “coffin beds” (camas-caixão), uma caixa de madeira fria com um pedaço de lona lotada de percevejos, onde o “morador de rua” podia dormir deitado por algumas horas apenas, pagando 4 centavos (penny) da Libra Esterlina, moeda inglesa.
Ou então, conforme o próprio Orwell relata em seu livro, existia o “twopenny hangover” (a conhecida ressaca dos dois centavos), que era um banco de madeira, onde os “moradores de rua” pagavam 2 centavos para dormir sentados, escorados por uma corda estendida à sua frente, sem direito à usar banheiros, chuveiros e ter um café da manhã.
No Brasil nunca foi diferente desde o império, para pessoas em situação de calçada o tratamento sempre foi duro. Em muitos municípios brasileiros essas pessoas sempre foram expulsas, escorraçadas, presas, maltratadas e humilhadas em nome de uma doutrina higienista, que aporofóbica, preconceituosa, cruel, sempre se apresentou disfarçada com cara de preocupação com a saúde pública, ignorando as razões socioeconômicas que promoveram a pobreza extrema nas cidades.
O Brasil do século XXI não é diferente deste mundo higienista dos séculos XIX e XX, onde em muitos municípios surgem leis aporofóbicas, de “limpeza bruta”, que ignoram a condição de pobreza extrema em que vivem estes nossos Irmãos e Irmãs em Situação de Rua. Regredimos?
Exagero? Nenhum, e poderia relatar muito mais das crueldades e maldades que hoje os “homens de bem” praticam com a Pessoa em Situação de Rua, seja ela quem for.
Pensemos nisso!
* Jornalista, representante técnico do Movimento Nacional de Luta na Defesa da População em Situação de Rua (MNLDPSR) cofundador do Fórum de Defesa da População em Situação de Rua de Ribeirão Preto (Fórum POP RUA RP) e vice-presidente do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS)