Tribuna Ribeirão
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O cartão de apresentação internacional da ditadura

Feres Sabino *
advogadoferessabino.wordpress.com

Se a ditadura militar do Brasil, que durou de 1964 a 1985, tem atualmente conseguido estar no palco internacional, mediante os filmes premiados, a ponto de seus responsáveis terem pensado, assim paradoxalmente, que valeu a pena alimentá-la, até com sangue, já que até hoje se fala dela e seus horrores. Mal sabem que nem ela e nem eles jamais serão esquecidos.  Mas o fato é que não demorou mais do que três dias para ela conseguir sua primeira e vergonhosa repercussão internacional. Foi no dia 3 de abril de 1964.

Três dias depois de ela ter se instalado, a polícia do Rio de Janeiro, invadiu dois apartamentos, para prender nove chineses, que estavam no Brasil desde 1963, acusando-os, gratuitamente, ou seja, sem provas, de que eram “agentes estrangeiros trazidos para fazerem uma revolução no Brasil”.  Na verdade, eles estavam organizando uma exposição comercial, e não encontrando nada que os comprometesse, então saíram com essa… divulgando que nossos remédios chineses contra a gripe e nossas agulhas de acupuntura seriam para assassinar pessoas”.

É a revelação do único sobrevivente Ju Oingdong, na entrevista dada à Folha de São Paulo, em 2014. Eles foram condenados a dez anos de prisão, em regime fechado. E cumpriram um ano da pena, e sua defesa gratuita foi do inesquecível advogado Sobral Pinto, o último a se despedir deles, à porta do avião. A imprensa internacional e até a nacional estiveram ao lado deles.

Na verdade, a política de não alinhamento, entre o bloco capitalista e o bloco socialista, foi inaugurada pelo chanceler San Thiago Dantas (o governo atual se esforça para segui-la…) quando a Presidência era ocupada por Jânio Quadros que enviara a China o então vice-Presidente João Goulart. Sua tratativa “permitiu à China estabelecer um escritório comercial permanente e uma exposição comercial e industrial”. Os fautores do golpe de 1964 e seus esbirros disseram que a presença deles era para fazer revolução comunista.

Hoje, a China, que não mudou de regime, é o primeiro parceiro comercial do Brasil, faz investimentos vultuosos no mundo todo. Uma diferença estabelecida com a liderança do mundo ocidental é que ela sempre esteve preocupada em fazer guerras e desestabilizar governos, enquanto a China fez inclusive a redenção de milhões de pessoas ,tirando-as da miséria, que a Google registra assim: “A China tirou 800 a 850 milhões de pessoas da linha da pobreza desde a década de 1970, uma redução significativa na população que vivia em pobreza extrema. A China declarou ter erradicado a pobreza absoluta em 2020, elevando todos os seus cidadãos acima da linha de pobreza”.  Além disso revitalizou grande parte das antigas Rotas da Seda, numa demonstração clara de que não é de seu interesse estratégico a guerra. Ela se interessa pela paz e para fazer comércio.

Nós, os cretinos ao invés de estudar como a China, entre 1964 e 2025, conseguiu fazer tanto, em todos os ramos do conhecimento e das políticas públicas, ficamos gritando “comunista, comunista”. Eles investiram em ciência e em tecnologia. E apesar de temos um precedente nacional nós o desprezamos, já que de 1930 a 1980, o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo. Depois, nosso parque industrial foi paulatinamente reduzido e chegamos ao ponto de deputados irem ao estrangeiro pedirem sanções ao próprio país, e ainda contando falácias. Num autêntico ato de traição à pátria. Agora, temos a deputada condenada, que como outros, dão entrevistas internacionais, repetindo mentiras e acusando julgadores.

O Brasil está assistindo essa penca de políticos, provindos como filhotes da ditadura, comprometendo o futuro do país, com as mentiras contra as Universidades, retirando verbas da educação e da cultura, criando a bitola estreita das escolas militares, não levando em conta nem o que a Coreia do Sul fez e faz, através de seu governo, para as letras e a cultura, que seus filmes têm demonstrado ao Brasil.

A mediocridade nacional poderia ter um momento milagroso de lucidez, para procurar quem conheceu a China, e que visitou, por exemplo, Xangai, a maior cidade do país, com mais de 26 milhões de habitantes. para saber, o que Pepe Escolar já anunciara há muito tempo—-que em Xangai só tem carro elétrico, não há barulho, é um silencio, e com o ar sem a contaminação de combustível.   E ainda nos chegam à exibição das estradas de ferro e das estações de metrô futurísticas, como chegam o tempo de duração da construção de imóveis ou de estradas de ferro, e ainda a reforma dos portos que já é feita em tantos os países, preparando as antigas Rotas.

Sabe-se que a história cultural e espiritual da China tem cinco mil anos e qual a potência ocidental que tem história semelhante? Nenhuma. E o que soube desse longo tempo é que até a ideia de planejamento é tão antiga como é antiga a história de tal ou qual imperador. Aqui, a distribuição das emendas parlamentares retiram a possibilidade de planejar, com as prioridades devidas, as políticas públicas.

Para o mundo atual, um economista que viveu um tempo na China, respondeu à pergunta sobre a diferença do regime chinês comparando-o com as chamadas democracias ocidentais: “Lá o Poder econômico não compra o Poder político”, respondeu.

Depois de 60 anos, soubemos como fomos estrupidos, em prender, condenar e expulsar os chineses que vinham preparar uma exposição. Não tinham interesse algum em matar, como a vontade recente revelada e provada dos militares golpistas de 8 de janeiro, que planejaram matar como o auge de uma preparação de quatro anos, ou mais.

Quando eles foram deportados pelo General Castelo Branco, na chegada ao país, a China os recebeu como heróis.

* Procurador-geral do Estado no governo de André Franco Montoro e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras

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