Tribuna Ribeirão
Artigos

Sócrates e o antidoping na copa de 82

Já faz algum tempo, estava dando um rolê pelo Centro de Ribei­rão Preto quando entrei em um sebo na rua Saldanha Marinho, na esquina com a São Sebastião. Curioso que sou, decidi dar uma geral na área. Tinha muita coisa do meu amigo Rolando Boldrin e muitos livros com histórias da nossa MPB. Como essa é a minha praia, comprei três de uma vez.

De repente, bato de frente com um pacote de revistas “Placar”, antiga publicação esportiva. Fui fuçando e percebi que eram todas da década de 1980, época da Copa do Mundo de 1982. Quase todas tinham Sócrates na capa, algumas estampavam fotos do Zico.

Cheguei até a me lembrar do seu Armando Volta, o Sambarilove, personagem da Escolinha do Professor Raimundo que usava sempre a mesma estratégia para subornar seu professor e dizia várias vezes: “Compro ou não compro, compro ou não compro, ‘comprei-a-as’”. Levei o pacote todo. Depois, conversando com o proprietário, ele disse que o colecionador havia morrido e sua esposa decidiu desfazer-se delas.

São 22 revistas que guardo com muito carinho, até porque elas contam tudo sobre aquela mágica seleção de 82. Tem muitas reportagens sobre Sócrates no Corinthians. Depois de quase decorar as matérias, tratei logo de cuidadosamente embalá-las e guardá-las, quero presentear o último filho do Sócrates, que é meu afilhado, e que está hoje com 16 anos.

Ainda não tem noção do que foi seu pai. Quando converso com ele, sempre conto histórias do Doutor e ele fica muito ligado no que digo. Estou esperando o momento certo para passar para suas mãos essa preciosidade. Quando Sócrates se separou de sua segunda espo­sa, ele foi morar no Edifício Atlântico Sul, que fica na rua Garibaldi esquina com a Américo Brasiliense.

Desde então passamos a picar cartão no Empório Brasília, que fica a menos de 80 metros do prédio. Muitas histórias, muitas resenhas e quando ele estava saudoso ligava para os amigos da seleção, que ele dizia ser sua família pelo tanto que se gostavam. Seu companheiro de quarto na Toca da Raposa era Zico, ele falava muito com o Galinho, Leandro e com o Falcão, a quem chamava de Paulo (Roberto Falcão).

Sócrates adorava o Telê Santana, sempre que era convocado deixava de fumar, beber nem pensar. Telê fazia marcação homem a homem. Certa noite, rindo muito, Magrão me contou que no jogo contra a Seleção da Nova Zelândia, ele marcou um gol e fora sorteado para o exame antidoping. O ônibus com os jogadores ficou esperando enquanto ele se dirigia para a cabine onde ficava o cara da Fifa.

No caminho cruzou com o massagista Nocaute Jack, que Telê man­dou ir na frente conferir o ambiente. Nocaute, rindo, disse: “Magrão, você vai deitar e rolar, a geladeira tá cheinha de cerveja”. O zagueirão do time contrário fez xixi rápido e vazou. Magrão entrou, o cara mostrou­-lhe a geladeira, aí ele deu uma pausa na história e falou: “Buenão, abri a geladeira, estava lotada e eu estava mais de 40 dias sem tomar uma. Magrelo como sou, e ainda perco de 2,5 a 3 quilos quando jogo, imagine como meu corpo estava sedento daquilo tudo. A primeira, Buenão, desceu abrindo caminho, depois foi aquela delícia (hehehehe).”

Ele foi tomando, a geladeira esvaziando, o cara da Fifa olhava pra ele e não se conformava dele não produzir material para encher aquele tubinho de vidro. Telê foi até o Doutor pra conferir a demora, e o Magrão, com a fala meio mole, disse: “Seu Telê, não consigo, per­di muito líquido no jogo”. O treinador, preocupado com os jogado­res, disse que ia levar o time pra jantar e que um jornalista brasileiro havia se prontificado a levar Sócrates para a concentração.

“Beleza”, disse Sócrates, que acabou com a cerveja e até tomou refrigerantes. Por fim, conseguiu meio tubinho de xixi. Ele chegou ao hotel, os amigos estavam acabando o jantar e foi aquela festa vendo Magrão todo alegrão.

Sexta conto mais.

Sócrates e Bueno no Bar Brasília, em Ribeirão Preto – Arquivo Pessoal

Postagens relacionadas

O combate mais aguardado de todos os tempos

William Teodoro

Além da dor infidável

Redação 1

O Chile e sua literatura (5): Alonso de Ercilla

William Teodoro

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com