Rodrigo Gasparini Franco *
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A expressão latina vulpem pilum mutat, non mores – “a raposa muda de pelo, mas não de costumes” – carrega uma sabedoria atemporal que atravessa séculos e permanece incrivelmente atual. A frase, atribuída ao historiador romano Suetônio, reflete a ideia de que, embora as aparências possam mudar, a essência de um indivíduo ou de um sistema tende a permanecer a mesma. Em um mundo marcado por transformações sociais e discursos de renovação, a máxima parece ecoar com força, especialmente quando observamos os costumes da sociedade contemporânea e a degradação moral que permeia a política.
Na sociedade atual, a busca por mudanças aparentes é constante. Redes sociais, por exemplo, tornaram-se vitrines de uma vida idealizada, onde as pessoas exibem versões cuidadosamente editadas de si mesmas. No entanto, por trás das imagens polidas e dos discursos de virtude, muitas vezes permanecem os mesmos comportamentos egoístas, consumistas e individualistas que sempre existiram. A superficialidade das mudanças é evidente: enquanto se prega a inclusão, a sustentabilidade e a ética, práticas cotidianas frequentemente contradizem esses valores.
Esse mesmo padrão se reflete de forma ainda mais evidente na política. Em tempos de crise de confiança nas instituições, é comum que líderes e partidos políticos prometam renovação, ética e compromisso com o bem comum. No entanto, a história recente mostra que essas promessas frequentemente não passam de uma troca de “pelo”. Escândalos de corrupção, desvios de verba pública e práticas clientelistas continuam a ser a norma, independentemente de quem esteja no poder. A essência do sistema político, muitas vezes, parece imutável, mesmo quando novos rostos surgem no cenário.
A degradação moral na política não é um fenômeno novo, mas sua persistência em um mundo que se diz mais consciente e conectado é alarmante. A sociedade, que deveria ser a guardiã da ética e da transparência, muitas vezes se acomoda diante de escândalos recorrentes. A indignação, embora intensa, é frequentemente efêmera, e a memória coletiva parece curta. Assim, políticos que outrora foram alvos de denúncias graves conseguem retornar ao poder, muitas vezes com discursos reciclados e uma nova “roupagem”, mas com os mesmos vícios de sempre. A raposa, mais uma vez, apenas trocou de pelo.
Esse ciclo vicioso entre sociedade e política reflete uma relação simbiótica. Enquanto a sociedade tolera ou até mesmo normaliza comportamentos antiéticos, os políticos encontram terreno fértil para perpetuar práticas que beneficiam a si mesmos em detrimento do coletivo. A falta de uma mudança real – tanto nos líderes quanto nos cidadãos – reforça a ideia de que, apesar das aparências, os costumes permanecem os mesmos. A corrupção, a ganância e o descaso com o bem público não são apenas falhas individuais, mas sintomas de um sistema que resiste a transformações profundas.
No entanto, a máxima latina não precisa ser uma sentença definitiva. Embora a essência humana e os sistemas sociais sejam resistentes à mudança, a história também mostra que transformações são possíveis, ainda que lentas e difíceis. A conscientização coletiva, a educação ética e a pressão por maior transparência podem, eventualmente, romper o ciclo de imutabilidade. Para isso, é fundamental que tanto a sociedade quanto seus líderes abandonem a superficialidade das mudanças cosméticas e busquem uma renovação genuína, que vá além da simples troca de “pelo” e promova, de fato, uma transformação nos costumes.
Essa transformação genuína, contudo, exige um esforço contínuo e uma postura crítica por parte de todos os atores sociais. Não basta apontar os erros alheios; é necessário que cada indivíduo reflita sobre suas próprias ações e valores, reconhecendo seu papel na perpetuação ou na ruptura desse ciclo. Somente através de uma mudança que comece no íntimo de cada pessoa, expandindo-se para as estruturas coletivas, será possível construir uma sociedade mais ética, justa e verdadeiramente renovada.
* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)