André Luiz da Silva *
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O mundo se despede de Jorge Mario Bergoglio — ou, como aprendemos a chamá-lo com afeto e admiração, Papa Francisco. Um argentino que, por sugestão do cardeal brasileiro Cláudio Hummes, adotou o nome do santo de Assis. Assim inspirava uma amizade improvável entre argentinos e brasileiros.
Desde o início, Francisco mostrou que não seria um papa tradicional. Como bom jesuíta, trocou o Palácio Apostólico por uma hospedaria modesta, almoçou com jardineiros e operários do Vaticano e simplificou até os funerais papais. Vivia o Evangelho com a mesma leveza com que carregava a pesada responsabilidade de ser o sucessor de Pedro.
Primeiro papa não europeu em mais de 1.300 anos, herdou uma Igreja polarizada após a renúncia de Bento XVI .Enfrentou com coragem a tensão entre conservadores e progressistas — afinal, essa divisão não é exclusividade da política. E, com jeitinho e firmeza, conduziu reformas corajosas, como a reestruturação do banco do Vaticano e a inclusão de mulheres em cargos de liderança — inclusive com direito a voto no Sínodo dos Bispos.
Francisco preferia estender a mão a apontar o dedo — ainda que uma vez tenha dado um leve tapa na mão de uma fiel entusiasmada demais. Arrependeu-se e pediu perdão. Pedir perdão, aliás, foi marca registrada de seu pontificado: pela omissão durante a ditadura argentina, pelos abusos na Igreja, pela opressão colonial e até por documentos papais que justificaram a escravização de povos originários.
E quando George Floyd foi morto, Francisco declarou: “Não podemos tolerar nem fechar os olhos diante de nenhuma forma de racismo ou exclusão, e pretender defender o caráter sagrado de toda vida humana.” Palavras que ferem e curam.
Amado por milhões e odiado por muitos, talvez por dizer verdades incômodas. “Acho que a Igreja não deve apenas pedir desculpas a uma pessoa gay a quem ofendeu, mas também aos pobres, às mulheres exploradas, às crianças submetidas ao trabalho forçado… e por ter abençoado tantas armas.” Chamaram-no de comunista. Ele respondia com serenidade: “Isto não é comunismo, é puro Evangelho!”. Em 2021, celebrou a missa da Divina Misericórdia com presos, refugiados e profissionais da saúde onde alertou: “Não podemos viver uma meia fé, que apenas recebe, mas não dá.”
Preocupado com a “Casa Comum”, escreveu a encíclica Laudato Si’, um clamor profético pela preservação do planeta. Um apelo à conversão ecológica e à fraternidade universal.
Francisco denunciou o luxo clerical e teve autoridade moral para confrontar líderes mundiais que escolhem a guerra, a destruição ambiental e a exclusão. Por isso, quase 200 deles comparecem a seu velório — não apenas pelo cargo, mas pelo legado.
Francisco rodou o mundo e soube como poucos nos aproximar de Jesus. Seu bom humor, suas piadas, seu modo carinhoso de se dirigir aos repórteres, às crianças e aos fiéis em geral demonstraram que é possível ser em verdadeiro cristão nos tempos atuais. Sua vida virou filme, livro, inspiração. E quem conhece os latinos sabe: ainda vai virar samba, documentário e um monte de bons memes.
Sua última aparição pública, abençoando os fiéis na Páscoa, foi emocionante, encantadora, quase divina. No Jubileu de 2025, quando somos chamados a ser Peregrinos da Esperança, Francisco parte para sua última jornada — rumo à casa do Pai.
Um homem com virtudes e fraquezas. Um papa que viveu o Evangelho com coragem e ternura. Um dos maiores líderes espirituais e políticos de nosso tempo. Seu legado está vivo. E cabe a nós — como filhos e filhas dessa história — decidir o que faremos com ele.
* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista